Páginas

quarta-feira, 12 de dezembro de 2018




desenho de Millor Fernandes/2016


embolada à toa



é horrível de se ver
a armação do ministério
esplanada fatiada
sangria de fake império
gabinetes marionetes ação 

embaralhar embolada
é a palavra desordem
o rato se faz dragão
extermina o que existe
por incontinência de cão    

avesso do avanço desterros
índio vira raiz negro puncake
mulher domesticada homem
armado de erros enfurecidos
crianças à distância dopadas 

desenha-se em sangria a dor
adormecida consciência geral
ado ado cada um seu quadrado
fudeu tudo menos lutar pelo todo
eliminar essa cruzada só distopia 

quinta-feira, 29 de novembro de 2018


Fernando Eiras em Dias de Nietzsche em Turim, de Julio Bressane


relato conjugado 


não acredito que os cães
ladram por eu passar frente
às suas prisões domésticas

não acreditas que moras
na satélite apagada morna
pagode vingativo vazando

não acredita nas medidas
torpes provisórias e fascistas
escabrosas do fudido golpe

não acreditamos em desfechos
em defeitos de roteiros e vingança
desastres desgraçados na democracia

não acreditais nos tais vulgares
momentos de canais sanguinários
soberanas são ficções da pós-história

não acreditam na fúria disseminada
em mísseis (teatro) de operações  
em mitos e desvelos perversos

os verbos não servem mais como tema
se conjugados no passado no presente 
no futuro escuro ou apenas no cinema

segunda-feira, 5 de novembro de 2018



imagem do google



balada de cigarras


o que dizem as cigarras
em compassos binário
ternário quaternário

partitura de chiados
o que pedem as cigarras
ocultas nas árvores

elas querem mais chuva
águas em jorro de espanto
meu pranto de humano

adiantam as dores
antecipam aurora alva
as cigarras desta hora

os códigos antigos
o mundo virtual pausa
voltam a vibrar membranas

c(l)arineta fasculata
no calor os machos entoam
tons para chamar as fêmeas

copulam esvoaça a grávida
e o outro afasta predadores
calam-se os pássaros no canto

ovos postos e as fêmeas nuas 
estouram o corpo a roupa asas
prenunciando o verão descambam

ovos de inseto caem em
formas de ninfas inúmeras
descem por fios de seda

viverão no fundo da terra
letárgicas na caverna 
buscam a seiva das raízes

sobem o tronco molhado
em pouco despedem-se
e despem-se do exoesqueleto

voam aves fundem-se asas
semanas de gozo e estridular
do baixo ventre contraído

a fêmea se quebra e cai
o macho logo a seguirá
e misturam-se às folhas

ninfas afundam no chão
machos e fêmeas são cigarras
as fêmeas cantam no sereno

ar luz metamorfose incompleta
cigarras sinuosas rosas ridentes
na noite aberta que me suporta 

sóis girando sós
em suas galáxias
elípticas elásticas

distância infinita
do cosmos a cronos
para mínima solidão

sopram as cigarras
a canção dos silenciados
em suas poltronas e camas

as cigarras acendem
um beque com os caras
que tocam violão de aço

noite madrugada meio dia
o som avança no asfalto e folhas
a chuva evoca o universo de agonia

os raios e os trovões de longe
e o teto de amianto vazando
em bicas de vozes líquidas   

cada um dos tímpanos explode
cigarra verde cigarra cantorazinha
aqui peço licença pra risandar    


quinta-feira, 20 de setembro de 2018


sem título/óleo sobre tela/Ismael Nery/site da UFJF,MG.


misererê


vamos pedir misericórdia
não miséria nem opressão
sim à compaixão do blue 

vamos chamar a concórdia
não de acordos por medo
sem os acordes desterros

o azul em desmaios tons  
vamos pedir a esperança
miserere em anchos cantos

vãs noites estações vulgares 
dias únicos em poucas horas
e riso flores incensos rosas

a serem encontrados agoras
abram espaços nos impasses
sejamos exatos nos compassos

ou não sejamos mesmo em cacos
quebrados galhos fazendo música 
do caosmos barulhante brilhento

a história disfarçada de verdade
veste negro espartilho de velcro
é atriz tragicômica fora do foco

memória não é mares de lama
a educação dos sentidos clama
não é pra humano algum conceber 
nação
em chamas
cinzas
muda 

quarta-feira, 12 de setembro de 2018



Tarsila do Amaral/série Antropofágica


a jaula


estou na jaula de caibro e correntes
jaula que cabe só a mim no quintal
da casa do comerciante comprador
seu contentamento ao me prender
atraiu curiosos vizinhos e pastores

a carne foi lançada quando o sino
bateu às seis da tarde dos anjos
devorei-a como se fosse de humano
sempre os mirei na floresta da caça
ouvia e fugia dos tiros farejadores
fui capturado à noite corisco trovão
caí depois dum tiro leve de espingarda

a jaula é de ferro e teto de zinco
é quente e fétida tal lajedo ao sol
noites calmas e dias de visitação
sucedem-se morcegos aves cegas
passam no alto de um céu piando

me mostram pros meninos
me mostram pros ciganos
me mostram pros paganos
mulheres de olhos profanos
e eu urrando jorrando pus
pelos olhos de tanto espanto
no entanto cresço a olhos vivos

além de comer dormir e urrar
articulo com as presas e unhas
uma quebra do ferrolho metal
e ninguém percebe ruir ranger
sou ou não sou a onça do sertão
desmontei a ferocidade encenada
quebrei o cadeado na madrugada

foi espavento esparro espessura
quebrei as portas num fôlego só
me joguei nas ruas de pedraria
enquanto dormiam carcereiros
ouvi ainda seus roncos e risos
mas rumei bem veloz ao rio vivo
nadei corrente e profundeza    

a fome era felina e famigerada
aquele dono queimasse a gaiola 
a cidade que fizesse penitência
seus ferozes devoradores de ar
respirassem debaixo de telhados
tolos e felizes como não entendo    

afundei-me nas terras antes minhas
muito de mata de água de lagoa
capoeiras e grutas em que me fui
num penhasco molhado pressinto
aguardam outras feras sabidas do
mesmo furor fúria e florescer ao ser
à toa

sexta-feira, 7 de setembro de 2018


Harold Lloyd no filme Safety Last/1923


calar ou cantar

colapsar ao sopro roído não
digo não ao ridículo
retrato telas ao redor
me empurrando rumo
à tal depressão virtual
girando escrota a rota
das horas implacáveis

levanto-me para alongar
o tronco e os membros
e não sucumbir ao mesmo
ente  indesejável de tempo
ardente em fogo facínora
enquanto a tarde avança
sobre o teto de amianto

foda-se o mundo imundo
sairei dos clichês e focos
quando a cena terminar
com o prazer dos atores
que não se subestimam
sofrem no papel mas lá
no fundo do peito eles
ou elas deliciam outro
o teatro é minha pessoa

coração sejas alteridade
e cantando viverás.

sábado, 1 de setembro de 2018


foto de Tayla Lorrana em expô de Yayoi Kusama/2014


na parada


anjos em andrajos andam de lá pra cá
de cá pra lá buscando ao léu drogas e
talvez um céu para insolúveis paradas
adejares na rodoviária pela via do real

nem percebem que humanos como eu
perecem em sua demente impressão
e sucumbem ao som das máquinas
cortando o concreto mais uma vez

este marco zero da cidade não terá
paz nunca por ser o problema em si
instalado na interminável obra piloto

só mesmo o capiroto pra livrar o plano
da melancolia imensa obscura necrópole
salve lotação que me afasta delinferno     

sábado, 25 de agosto de 2018

artea
arte de Regina Silveira
(com licença e reverência)

algumas escadas

descer escadas
com passos ágeis
nem lentos nem velozes
ao contrário deliciando-nos
desacelerar o pulsar da pulsão
ouvir o acorde de tristão caído
no chão sintético do lugar
evocar a serena dor em dó
sereníssima partitura sopra
instrumentos evanescentes

alice caiu por alegoria
hamlet por obsessão
eu e talvez você ou não
por excesso de realidade
é noite profunda propícia
para o excesso de pranto
lamento em sustenido
de madeira e mármore
de memória membrana
escadas que levam à torre

torre dos sinos de bronze
escadas a subir sem saber
degraus espiralados 
de sentido e destinação
escamas da estrelada Cy
mundo membrana move
ao modernismo tropical
escadas de babilônia babel
escadas da biblioteca viva
de Alexandria incendiada


quinta-feira, 9 de agosto de 2018


obra de Nuno Ramos (com licença)

vulgaridades


bate-papo em salões frios de arte
todo um cerimonial insuportável
e tosco tangendo o artista da vez

outra
coreografia do boteco de homens
mulheres na companhia dos maridos
e as conversas de gestos desaforados

a vulgaridade inseminada na terra
contra os palestinos predestinados
ao fim do fundo fornalha da forja

pegar o ônibus errado e perder-se
nas ruas escuras de um bairro feio
igrejas bares abertos e noite praga

a insistência dos vulgares em vãos
instalados na cúpula de poderosos
esquemas indícios armam cretinice

hipócritas vibram na vitória do aborto
logo seus mantenedores inseminadores
logo os que matam crianças em creches

as infindáveis fotos das apurações à toa
do filme de juízes de ministérios de mer
da de auxílio moradia palácios farsantes

o fedor da estação de tratamento d’água
passando por árvores telhados e janelas
nas horas inesperadas da cidade fúnebre

a categoria filme mais popular no oscar
que vende franquias líderes de bilheteria
quando o cinema passa longe de roliúde

a novela fixada em fixações de folhetim
mais alucinado e absurdo que o teatro
de costumes mais retrógrado na ficção

o vizinho que se aproxima do portão 
portando discurso que ouviu disperso
e fazendo de suas as palavras tortas

bancadas da bala da bíblia do boi
escolhidos farsantes povo prascóvio
vergonha nação ê bumba ê ê ê bão  

vulgaridade é suportar a mim mesmo
contigo fingindo ser antropófago cool
um sujeito bacana saído do sarcófago        

vulgaridade é não dar fim ao acabado
que não interessa mais pois amanhã
renasceremos para o desafio+vulgar
   

segunda-feira, 6 de agosto de 2018



arte de Mike Stilkey no site pensamentosvalemouro

o sono do livro


face do livro

ouvidos e olhos

letras sangradas

plena página de sol

segredos do sonhar

sons incessantes

é feito bodoque

lançando pedras

florestas e gonzo

de aves animais e

insetos angelicais

martelando silêncio


o livro me encara

sopra pátinas e tempo

o mundo não precisa

de mim eu não preciso

de capa nem gps pessoal 

mergulha tu no fundo

do abismo baudelaire

que nem suporto saber

do céu ou inferno a querer

perseguir há dias e noites

essa turva leitura de flores

esses solícitos buquês de amor


o livro sofre por não estar escrito

o livro geme em sua encadernação

a repetições cansativas e curiosas

em configuração de respiração ofega

no teclado cego desta noite eterna

pois sem sentido sem história sem luz

está repreendido de suplícios insanos

semeando palavras demolidas de verbo

desmoronando em ruídos retumbantes

da própria escritura onírica apagando-se

em ondas extasiantes suspensão no ar

em câmeras drones cadernos cadeado

terça-feira, 24 de julho de 2018


rio Corda/MA/2010/foto CA

três metamorfoses


este é um livro trágico
o coro é o protagonista
corifeus ou bacantesátiros e
deambulantes em edificação 
(o livro nem foi escrito)
então não é livro não é trágico
e nãos demais estragam a fluida
intervenção no campo magnético
seja em qualquer arte tudo é palavra
(sim soam no mais fundo das pedras) 
eu me nego a seguir jornada obscura
eu me pego a ouvir essas baixarias
falsos sorteios certames e old news
erosão de terra matança de crianças
(quero de volta o ouro)
quero o retorno do sim pelo não
não posso querer nada diante dos
acontecimentos vãos e concretos
no instante exato me descarto
(lá vem a memória da canção drama)
de nós e dos nós que traçamos com esmero
bem quisera seguir uma métrica no ritmo de
um coração intemporal e aplicado de destinos
pois fui filho do repente nas noites de rimas
(rodas cantaroladas e palmas de crianças)
a felicidade da infância é dura imaginação 
e mais nada na pequena cidade cercada
de rios limpos plenos para o sol e árvores
e sinos marcando no relógio horas de vida e morte
(não anda quase nada o quadro de ponteiros)

sou um jumento uma onça e uma criança
em espírito herança degeneração e predetina
ção a gênese aflora em ter nascido extático
quase matando minha mãe no parto ela dizia 
(ainda bem que nasci)
burro de carga de carvão de lenha dilema
presa na jaula do mortal a onça minha casa
tição aceso pleno dia sertão planeta estrela
cidade dormindo às oito da noite sob telhados
(contos de trancoso e mil e uma)
aí isso e mais lembrar o coração bomba pronta  
este que tenta bater este órgão apronta e pede
uma benção encarnada do espírito lua de sangue 
a gira me traz as golondrinas da torre ao magno céu
(sanctumsanctumsanctum)

pensei que estava numa estação figurativa dolorosa 
da via sacra na curva do calvário construída em muro
fui arrancado visão imaginada ao saber que Ele logo
iria expirar na cruz e suada linfa verteria no cascalho
(pendebat oh vos oh oh oh oh oh oh oh oh omnes)  
senti logo abaixo o perfume fúnebre e ouvi uma voz
volante de verônica no volátil encontro da fotografia
da fisionomia humana do divino lua sangue exangue
até a respiração das flores do cemitério ao sol diário 
(ramos de oliveira e flores fabricadas)
raio leito do rio caio entre sombras na corrente calma
as pedras não dizem nada mas emitem música e falas

intempestivo empesteado de ternura
sigo sem achar nada engraçado mundo
a não ser em minha própria e destrambelhada
máscara dupla simulacro resplandecente menino
afoito e destemperado na guerra errante do cosmo
(cum licença do curiandamba)

terça-feira, 29 de maio de 2018


foto de Tayla Lorrana/2011


as senhas


o númuro da minha alma é pi
o numen o nome o número
do corpo é uma equação fria
só os tempos calcularão em
juros exorbitantes escorchantes
a gênese o dna origens desejantes

minha senha no banco e no email e
no facebooque é calamité calamity
minha senha para o céu é no more
minha senha para o sonho id mim
minha senha pra você é vem fora
mas falando sério a senha do banco
banco de brasília é scn trade center
números que dançam dos dedos e
é marabá uma índia que gerou poema 
cidade do pará e uma índia cambucá
não sei o motivo da escolha ahahhah

quem quiser pode tirar de mim aquilo
que quiser como o dinheiro que não há
a afeição que é para quem não precisa
o sangue que já não é mais de doador
a sangria de ironia diverte talvez sempre 

quem quiser jogar em mim uma benção
venha de onde vier faça esse depósito
e vejamos se o espírito aceita espirrar
um pouco de generosidade a todos mas
todos mesmo a quem devo estar vivendo
eu sei que tem gente rezando por mim e
ainda os que me ignorando me salvam de
coisas que não preciso saber sentir ou ser

os números da história não são meus nem
teus vigilante do ser ocupado inútil estar
acesse-me e verá que não estou possesso
possuído de cruéis reflexos do cosmos sou
o que nem quer nada a não ser a sua senha  

sábado, 19 de maio de 2018


desenho de Eurico Rocha



o cordeiro da rocha

como interrogação exclamações de dor
se hoje na manhã tu estavas no gmail
e por agora dez da noite sem vento soçobras
ou acendes em ascensão para o distante sol
nas sombras que são dos que te amam e não
de ti que és luz pura mais charmosa maison
o primeiro pintor dos céus e nuvens e postes
do planalto no qual voavas de moto e na moda
criavas as mais originais abstrações materiais
fibras de tnt de capim e sintéticos tecidos aéreos

estavas em paris na haute dimensão da costura
e entre gente do mundo captavas com tesouras
e papéis e tecidos e modelos dispostos no savoir
faire les beaux arts numa canção de estilista para
quem fazer a moda era fazer o drama e a cultura
com os cabelos à chanel e o charme à saint-laurent
e lembro que voltaste botando pra quebrar numa
aparente arrogância típica de quem tudo recusa
critica os acabamentos e detalhes de acessórios
do lápis preto ao pancake e do drama e da morte
 

como progressálio rapaz ministérico esse mistério
deves a cada um que te amou romance de relance
toda a aplicação de agulhas e linhas no matelassê
a mais bela roupa antes que o fashion fosse feito
nas capitais metidas a besta do apocalipse now
o frenesi de humor que portavas nos camarins
demonstravas desprezo pelos atores sendo um
e na passarela instalada no palco da villa-lobos
sabíamos que ali estava a novíssima automoda
autóctones cortes em palha e algodão invenção

só há uma ou duas respostas pra tua ausência
escandalosamente deslizando na paulicéia ela
a vida e seus rafes e olhares de cordeiros no campo
as cômicas brigas nossas nas coxias entre os atores
sem nenhuma cerimônia já sabíamos do abismo
e vencestes subindo à cobertura de um antigo
edifício da movida cidade grande de macunaíma
contigo caminhei e muito pela cidade anímica
a concreta cerrada que tanto amas e animas
amado sujeito de mim e de hans tramm amigo  

terça-feira, 8 de maio de 2018


foto do site megacurioso.com.br


vagação


sequência de ondas
surtindo frequências
senoidais sinuosas 
espumas salgadas
aspergindo sondas 
as paranoias da pele
à flor dos ossos
à praia irreal
perde chaves
quebra copos
deixa cair papéis
nas sombras do sol
autoengano plural
máscaras molhadas
pendem do rosto e pedem
oxigênio e novas seringas
móbiles de células neuronais
intumescem as velas da vida
lamentável e louvado descontrole
de métrica histriônica se possível
de preferência em voluptas veias

domingo, 8 de abril de 2018


foto no site Catraca Livre sem autor identificado



canção à deriva da lua


oh lua pousada
na frágil antena
de televisão
telhado caladão
estrelas estranhas
entranhas da noite
escamas de vento
fala comigo danada
se quiser pode cair
na cabeça raspada
se quiser pode muda
retirar-se sem mágoa

poor moon
in my hot heart
in my high mind
isto é amor this love
move me come to me

meu sigilo bancário é pra quebrar
telhas de amianto transmitem vírus
que caem serenamente sobre a casa
em repouso mas não sobre mim sai
pra lá pó desconstrutivo e sacana
o exame de corpo de delito é menos
pra quem já deletou todos os apegos
carta enigmática embaralhadamente
cadentes carências e cáries nos olhos
suor de quem bem está só no comboio
giroflex sirenes sereias lacrimosas 
carregando na cabeça a confusão
nesta cela sinistra sem virtudes
lindo o helicóptero destinado à
república do exílio asilo silêncio
tal e qual no tempo suplicante
tramóias de todos os temores
as gentes e sangue na entrada
é pornográfica máquina rude
sobrevoando o rio pinheiro
saindo agora para a nave
nós estamos arremessando aqui
os agentes blindados conversam
despossuídos da nação à ré
decola o pássaro de um dia doloso
dolorido e destinado à dor geral
motor do monomotor hélices e
taxiando em imagem do filme
baliza colete laranja luzes nas
mãos e braços abertos para o
levante do gran avião caravan
à direita leve siga a pista 17
e some subindo na escuridão

este coração pulsa conceitual
lua que ressurgirá no temporal

sexta-feira, 9 de março de 2018


foto de Tayla Lorrana/agosto 2011


domingo quebrado

quebrar o domingo um dia destituído de semântica
um domingo me traz sensações largadas por mim
mas que não interessam mais aliás lilás me largaram
no banheiro de cerâmica branca e azul legado de mãe
de pais e irmãos no tempo dos trapalhões e do baião
dos almoços bancados por meus pais para compadres
e comadres barulhentas parentada de euforia padrão

quebrar o domingo indo ao teatro na sessão da tarde
um teatro na memória instalado tragicômico e absurdo
em que atores desempenham o seu papel e nas coxias
respiram ofegantes pelo sofrimento por serem outros
num contexto da cena plateia pasma quer o mesmo
mas os atores são perspicazes em sua encenação de dor
e nos trazem risos deslocados espelhos mágicos de luz

quebrar o domingo desfibrado o coração na corrente
de vento deslocando-se da torre de tv para a esplanada
ao fumar as primeiras diambas mijando na grama como
o mais liberto cidadão da pátria deserta no domingo findo
fontes luminosas na estação das secas e dos silenciados
ônibus panorâmica solidão sensação de não vencer a dor
até chegar em casa a tevê no escuro a família dormindo

sábado, 3 de março de 2018


foto de Oscar Metsavaht/pedindo licença


canção do redentor


vejo o cristo redentor desmoronando
majestosamente entre as pedras que
gritam entre as árvores que gemem
ele cai do corcovado em câmera lenta

da janela foco na sala algumas criaturas
às quais pergunto se é verdade aquilo
e elas flutuam aleatórias pálidas brutas
ficam caladas na sombra uma voz alerta 
isso já aconteceu há muito tempo e foi
notícia em todos os canais do mundo

despencaram a cabeça tronco e membros
as mãos da poeta de onde se tirou o
molde das extremidades do cristo concreto
e pedra sabão mil metros até fundo oceano
mil toneladas para os raios e os ventos  
voaram para o mar e para a montanha
a floresta da tijuca está tomada de pó
favelas de enxofre e gases borrifados 


é óbvio que por esse poema rasgam
sirenes gritos agudos balas rachadas
perdidas munições das matanças vis
a dor dopada sobre o corpo dobrado
dos sujeitos que mandam a invasão
e comandam os aplicativos escancarados
de suas armas ostensivas ostentações
oh face coroaaada de espiinhos e irrisão
oh morros prisões ao ar liiivre das gentes
fechadas em suas entranhas e saídas por
armas letais ilegais metalgórgonas com
torções e pulsões bárbaras respiro noite
respirando circulando ando em escombros
circulando circulando levanta os braços porra
tento lembrar em que instante de uma noite
qual iconografia se postou à minha frente

sábado, 20 de janeiro de 2018


arte egípcia/não especificada no site dionisioarte.com.br

olfato all face

urinando em sonda membro
alongado de um deus egípcio
caio subitamente na real ao
sentir o odor do tempo em
que moro e vivo e mijo
é um tempo esfarelado
mortas as pirâmides de hoje
aquelas que foram eternas
e como não sou moderno e
nem nunca serei eterno êpa
recolho sombras à insignificância 
jactante de pular em delírio
de alecrim jasmin e sobre você
na noite mais simples do mundo
sim amor aroma os sonhos são
significâncias sampleadas do real    

sábado, 6 de janeiro de 2018


o sonho/henri rousseau/1910

e eu que pensava que tinha sonhado com você

e eu acordado constato tinha sonhado com você
mas não foi assim que aconteceu na real da noite
você invadiu meu sonho e me sonhou evasivamente
avançou a mim sem ancorar sua fisionomia bela
e logo disfarçou e desapareceu desmanchando-nus 

tem isso desejo esquizo esquivo eu desejo é você
distante espontaneidade ninfa sambista e solar
saindo do chuveiro com um sorriso sinuoso gris
e uma toalha branca de outra cor turbante de seda
cobrindo os cabelos castanhos e em cosmeticolor

não sonhe em mim que eu não sonho em você
o delírio instalado constrói onirismos de grátis
a delícia destilada é não ter pressa e sim estar
mergulhado nas águas e areias desse sonho
ao acordamos de boa e em leve pensar do dia  

quarta-feira, 3 de janeiro de 2018


foto de Andrews Yates/AFP/grupo Dudug/Inglaterra


seguindo o navio

seguindo o navio
contra vento frio
gaivotas gralhas grous
beija-flores sabiás
uirapurus urubus
voam atrás do navio no desvio
de ensandecidas ondas

seguir é o ato de voar
e de plainar em alturas
do mar possesso de procelas

os processos são a praga
gerados nos estados 
desse egito em ruínas 
em diários oficiais
secretos editais tais
malditas pragas impressas
puto ilegítimo poder danação 
digitálica destruição querido cidadão 

júlia é uma garota lib
marylin carmem holiday
júlia é um dia de paz na rua
em seu apê do quarto andar
e não sabe que está sendo
filmada em hight definition
de uma grua instalada na estação
espacial laboratório em órbita 
para uma hilariante eternidade

foragidos encercerados famintos
penitenciárias hediondas profundezas
que se resolvam as coreias numa só
e não encham o saco com delegações
passeatas alienígenas na câmara dos comuns
de usurpadores acusando-se aos tapas

sigo o barco bêbado o navio transa
o atlântico busca o pacífico 


03.01/2018 - bsb