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sexta-feira, 9 de março de 2018


foto de Tayla Lorrana/agosto 2011


domingo quebrado

quebrar o domingo um dia destituído de semântica
um domingo me traz sensações largadas por mim
mas que não interessam mais aliás lilás me largaram
no banheiro de cerâmica branca e azul legado de mãe
de pais e irmãos no tempo dos trapalhões e do baião
dos almoços bancados por meus pais para compadres
e comadres barulhentas parentada de euforia padrão

quebrar o domingo indo ao teatro na sessão da tarde
um teatro na memória instalado tragicômico e absurdo
em que atores desempenham o seu papel e nas coxias
respiram ofegantes pelo sofrimento por serem outros
num contexto da cena plateia pasma quer o mesmo
mas os atores são perspicazes em sua encenação de dor
e nos trazem risos deslocados espelhos mágicos de luz

quebrar o domingo desfibrado o coração na corrente
de vento deslocando-se da torre de tv para a esplanada
ao fumar as primeiras diambas mijando na grama como
o mais liberto cidadão da pátria deserta no domingo findo
fontes luminosas na estação das secas e dos silenciados
ônibus panorâmica solidão sensação de não vencer a dor
até chegar em casa a tevê no escuro a família dormindo

sábado, 3 de março de 2018


foto de Oscar Metsavaht/pedindo licença


canção do redentor


vejo o cristo redentor desmoronando
majestosamente entre as pedras que
gritam entre as árvores que gemem
ele cai do corcovado em câmera lenta

da janela foco na sala algumas criaturas
às quais pergunto se é verdade aquilo
e elas flutuam aleatórias pálidas brutas
ficam caladas na sombra uma voz alerta 
isso já aconteceu há muito tempo e foi
notícia em todos os canais do mundo

despencaram a cabeça tronco e membros
as mãos da poeta de onde se tirou o
molde das extremidades do cristo concreto
e pedra sabão mil metros até fundo oceano
mil toneladas para os raios e os ventos  
voaram para o mar e para a montanha
a floresta da tijuca está tomada de pó
favelas de enxofre e gases borrifados 


é óbvio que por esse poema rasgam
sirenes gritos agudos balas rachadas
perdidas munições das matanças vis
a dor dopada sobre o corpo dobrado
dos sujeitos que mandam a invasão
e comandam os aplicativos escancarados
de suas armas ostensivas ostentações
oh face coroaaada de espiinhos e irrisão
oh morros prisões ao ar liiivre das gentes
fechadas em suas entranhas e saídas por
armas letais ilegais metalgórgonas com
torções e pulsões bárbaras respiro noite
respirando circulando ando em escombros
circulando circulando levanta os braços porra
tento lembrar em que instante de uma noite
qual iconografia se postou à minha frente