Fernando Eiras em Dias de Nietzsche em Turim, de Julio Bressane
relato conjugado
não acredito que os cães
ladram por eu passar frente
às suas prisões domésticas
não acreditas que moras
na satélite apagada morna
pagode vingativo vazando
não acredita nas medidas
torpes provisórias e fascistas
escabrosas do fudido golpe
não acreditamos em desfechos
em defeitos de roteiros e vingança
desastres desgraçados na democracia
não acreditais nos tais vulgares
momentos de canais sanguinários
soberanas são ficções da pós-história
não acreditam na fúria disseminada
em mísseis (teatro) de operações
em mitos e desvelos perversos
os verbos não servem mais como tema
se conjugados no passado no presente
no futuro escuro ou apenas no cinema
imagem do google
balada de cigarras
o que dizem as cigarras
em compassos binário
ternário quaternário
partitura de chiados
o que pedem as cigarras
ocultas nas árvores
elas querem mais chuva
águas em jorro de espanto
meu pranto de humano
adiantam as dores
antecipam aurora alva
as cigarras desta hora
os códigos antigos
o mundo virtual pausa
voltam a vibrar membranas
c(l)arineta fasculata
no calor os machos entoam
tons para chamar as fêmeas
copulam esvoaça a grávida
e o outro afasta predadores
calam-se os pássaros no canto
ovos postos e as fêmeas nuas
estouram o corpo a roupa asas
prenunciando o verão descambam
ovos de inseto caem em
formas de ninfas inúmeras
descem por fios de seda
viverão no fundo da terra
letárgicas na caverna
buscam a seiva das raízes
sobem o tronco molhado
em pouco despedem-se
e despem-se do exoesqueleto
voam aves fundem-se asas
semanas de gozo e estridular
do baixo ventre contraído
a fêmea se quebra e cai
o macho logo a seguirá
e misturam-se às folhas
ninfas afundam no chão
machos e fêmeas são cigarras
as fêmeas cantam no sereno
ar luz metamorfose incompleta
cigarras sinuosas rosas ridentes
na noite aberta que me suporta
sóis girando sós
em suas galáxias
elípticas elásticas
distância infinita
do cosmos a cronos
para mínima solidão
sopram as cigarras
a canção dos silenciados
em suas poltronas e camas
as cigarras acendem
um beque com os caras
que tocam violão de aço
noite madrugada meio dia
o som avança no asfalto e folhas
a chuva evoca o universo de agonia
os raios e os trovões de longe
e o teto de amianto vazando
em bicas de vozes líquidas
cada um dos tímpanos explode
cigarra verde cigarra cantorazinha
aqui peço licença pra risandar