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quinta-feira, 29 de novembro de 2018


Fernando Eiras em Dias de Nietzsche em Turim, de Julio Bressane


relato conjugado 


não acredito que os cães
ladram por eu passar frente
às suas prisões domésticas

não acreditas que moras
na satélite apagada morna
pagode vingativo vazando

não acredita nas medidas
torpes provisórias e fascistas
escabrosas do fudido golpe

não acreditamos em desfechos
em defeitos de roteiros e vingança
desastres desgraçados na democracia

não acreditais nos tais vulgares
momentos de canais sanguinários
soberanas são ficções da pós-história

não acreditam na fúria disseminada
em mísseis (teatro) de operações  
em mitos e desvelos perversos

os verbos não servem mais como tema
se conjugados no passado no presente 
no futuro escuro ou apenas no cinema

segunda-feira, 5 de novembro de 2018



imagem do google



balada de cigarras


o que dizem as cigarras
em compassos binário
ternário quaternário

partitura de chiados
o que pedem as cigarras
ocultas nas árvores

elas querem mais chuva
águas em jorro de espanto
meu pranto de humano

adiantam as dores
antecipam aurora alva
as cigarras desta hora

os códigos antigos
o mundo virtual pausa
voltam a vibrar membranas

c(l)arineta fasculata
no calor os machos entoam
tons para chamar as fêmeas

copulam esvoaça a grávida
e o outro afasta predadores
calam-se os pássaros no canto

ovos postos e as fêmeas nuas 
estouram o corpo a roupa asas
prenunciando o verão descambam

ovos de inseto caem em
formas de ninfas inúmeras
descem por fios de seda

viverão no fundo da terra
letárgicas na caverna 
buscam a seiva das raízes

sobem o tronco molhado
em pouco despedem-se
e despem-se do exoesqueleto

voam aves fundem-se asas
semanas de gozo e estridular
do baixo ventre contraído

a fêmea se quebra e cai
o macho logo a seguirá
e misturam-se às folhas

ninfas afundam no chão
machos e fêmeas são cigarras
as fêmeas cantam no sereno

ar luz metamorfose incompleta
cigarras sinuosas rosas ridentes
na noite aberta que me suporta 

sóis girando sós
em suas galáxias
elípticas elásticas

distância infinita
do cosmos a cronos
para mínima solidão

sopram as cigarras
a canção dos silenciados
em suas poltronas e camas

as cigarras acendem
um beque com os caras
que tocam violão de aço

noite madrugada meio dia
o som avança no asfalto e folhas
a chuva evoca o universo de agonia

os raios e os trovões de longe
e o teto de amianto vazando
em bicas de vozes líquidas   

cada um dos tímpanos explode
cigarra verde cigarra cantorazinha
aqui peço licença pra risandar