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sábado, 28 de dezembro de 2013

traz a caçamba

hoje uma parte do cenário
matéria no palco de uma maravilha que vivi
tomará chuva e rajadas de oblívios trovões;
tapetes de linóleo preto torcidos
agora jogados na caçamba do duentulho
(nome da empresa), (eu um duentulho também?)
contido como um automóvel carcaça
um grande bacalhau, uma peça vista às cegas;
uma pista  a despistar, um desvio a desbastar;
- sabe, este cenário é parte do meu estômago
deteriorou-se; culpa e castigo inteiramente meus;
bactérias para se cultivar matéria plasticável.
eu achava um acervo, os outros um monturo
distribuído numa casa clandestina, poeira pura
poesia e poeira não combinam,
mas não entro nessa do jogo dos sete erros
pois se tudo é errado, errante, herdado
uma hora esses apegos são levados
restos do figurino de uma grega mulher
todos os rostos que me pararam nas páginas
as cadeiras quebradas sobre as quais me equilibrei
e o cenário por onde andaram Mnemósine, Dulcina,
Sadie Thompson, uma carioca,
Cleópatra, Paulo Autran, um pierrô, um cantor magrinho, 
um saxofonista de 14 anos,
meninas e meninos do coro,
mas isso é outra história, história sem público
e história assim não combina com poesia
nem poesia poeira com poesia bobeira
jogo fora toda a muamba, toda besteira.
uououououh bum!
  



  

sábado, 14 de dezembro de 2013

O livro


o livro é o mito em hora de embarcar,
naufragar com algo nas mãos, não se afogar.
cadernos, páginas, parágrafos, versos.
Mallarmé, com sua capa em tarrafas,
é recebido no salão, solenes
movimentos de esgarçado alarme.
Vou colher os favos nas árvores baixas
as minhas, ninfas, náiades de
risos,  nadando submersas;
lençóis de nácar em que Maranhão Sobrinho
nadou, de um lado ao outro do rio,
sem ver uma arraia, uma vitória-régia;
para ele, como para este sonho imperfeito,
jaçanãs têm cor de âmbar, aliás,  dominam o lago
vivaz, o lilás, o viridente -  bastam
as imagens das palavras imaginantes
o livro é de grande calado
atravessa o o seu extinto oceano
um céu e um mar e um sol por viverem
e nós, navegantes, sem saber do porto,
náufragos de fôlego, só eloquência aquática.
Acorda, mergulhador,
agarra-te em teus véus vegetais.


foto:CA

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

pedras que se quebram

na obscura embriaguez
de uma história eu uma vez
escuto: é escura a estrada dessa voz
e há pedras, pedras que também se agridem
quebrando-se sobre as outras como assassinas.
no início, meio e extensão infinda da terra presa
caminho, assim, de modo imperativo
sobre o pó, pedregulhos e presos sóis;
mergulhos nas areias cálidas do ego
das matas e de matar.
não morras, não queiras, não cedas
observa que estas sedas de servidão
ansiosamente tecidas por aranhas amigas
não são reais, são desvarios de tua ausência,
fantasias da marmota
aranhas de artimanhas tortas, parcas
nem sequer existem por constatação do gps
no panorama dos ilusantes ideais que te guiam,
na espessa (impossível) cena

de um teatralinhante drama grego.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

caindo e subindo a escada

sei que em paris não há elevadores
claro, mon semblabe, hoje de hoje,
nos edifícios obssolètes
não há gentillesse, não vivem crianças, 
porque minha amiga brasileira
quando bebia vinho com seu namorado
caía nas escadas e falava, em francófono aberto:
oh Jean-Paul, oh Pierre, oh Alain!
e eles, ele mesmo, subia as escadas, não a socorria.
batia a porta para que ela abrisse;
e olha que ela é uma típica coquette,
algo como uma dama do bois de boulogne.

daguerre, pierre, por que você age como une bête,
tão humano com quem era um anjo?
não aceitaste a gracinha que te seguia como ave!
por que a levaste de súbito para a rive droite
se sabias que ela era gauche, travessa, tropical?
oh, a consciência, a concierge, a consistência
desta noite desvalorizada e, por toute la cité
une lumière dissonante, desolada, diamante, sonora.    

terça-feira, 19 de novembro de 2013

A beleza

Negra alta harmonizando sobre a cabeça
Roupas brilhantes, algodoadas, engomadas
Passava pelas ruas de areia cheias de espiões
Passava como parecia num desfile
Silenciosa e decidida e calada
Enquanto nas calçadas bocas proferiam
A elegia de sua fineza com os tecidos.
Lavava numa tábua à beira do rio, usava anil,
Passava no ferro em brasardente e enchia
A casa de roupas brancas, azuis, cáqui
Calças e camisas, lenços e lençóis.
E sua encorpada postura ao carregar
As límpidas peças sobre a bacia
Coincidia com o final do dia, o sol saía de si
E ficava a indagação de todos:
De quem seriam as roupas clarissonantes
Bem belas, protegidas, perfumadas de esperança?
Ela desaparecia na esquina, sumia no enigma.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

pai gigante

Sou de um tempo
Em que se limpava os óculos com o cuspe
E ao lado da máquina de costurar, senhoras
Montavam roupas, mascavam e murmuravam
ao lançar tabaco mastigado na escarradeira esmaltada,
sem perder os dedais dos dedos.
Sou tão antigo que acordei  vários dias com
Os olhos  mascarados de remelas:
Estava cego até que a mulher mãe
Vinha com um algodão úmido e cálido
E abria as pálpebras aflitas.
Sou aflito como múmias que mourejam
Em cavernas nunca descobertas.
Bebia água no mesmo copázio de meu pai;
Todos bebiam no mesmo copo de alumínio areado.
E em seus pratos de cerâmica, como espelhos,
Viam o mesmo rosto de um passado,
Um é a cara do outro, tempos de pessoas perdidas.
Pai gigante, há um século soterrado nas tábuas
Da casa de mulheres cantoras e choronas...
Descoberto entre escombros de uma tarde
Ainda com vida; ele ....estrelas caindo no telhado

poesia paraquem

Assim se sucedeu:
Vinha pela calçada sombria da noite
Com as compras do mercado e
Cervejas e uvas verdes.
Um baque no chão, uma lata de bebida 
espatifou-se
atrás de mim.
Caiu do saco plástico
E jorrando espuma rolando no céu
Com a graça de um pequeno gato
Com o jato de uma fonte aflita
À sombra do flamboyant vermelho.

Parecia dizer aquela cena na calçada
Não me beba ou beba-me agora
Que vergonha essa sua atitude
Diante de uma latinha gelada
Ainda há outras, pode aguardar um minuto.
Disfarça e caminha rápido
Em casa abrirás outra lata.