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quarta-feira, 30 de abril de 2014




teatro/comentário


Um teatro proletcult e próprio de Rózà


"Eu sou como vocês sabem uma terra de possibilidades ilimitadas”.

Basta a leitura de três, quatro ou algumas cartas da polonesa Rosa Luxemburgo para nos darmos conta da fina faina que foi sua história pessoal e política (seu tempo histórico é aquele balançado nas veias pelo pensamento de Marx, no meio das trevas, antes das grandes guerras, das conturbações territoriais numa Europa enfrentando a si mesma). A façanha trágica que é a vida de Rosa está restaurada e renovada no teatro de apreço e beleza cênica que as diretoras Martha Kiss Perrone e Joana Levi e três atrizes em cena apresentam até o dia 11 de maio, na Casa do Povo, localizada no Bom Retiro, centro antigo de São Paulo.

Martha Kiss, idealizadora do projeto e estudiosa da vida de Rosa Luxemburgo, também está em cena, ao lado de Lucia Bronstein e da inglesa Lowry Evans. As três Rosas recebem o público ao som de um punk rock básico. A Casa do Povo, construída por judeus imigrantes da Europa Oriental, de fachada modernista e amplos espaços, parece ter sido construída para o momento, tal a adequação.  O cenário também é aparentemente básico: o público está dentro de uma grande estrutura cercada de plástico branco. A partir da ação, tudo se desdobra em penetráveis, praticáveis, objetos, movimentação, projeções no suporte da caixa, gestual certeiro das intérpretes e falas comoventes, numa cena trepidante que não economiza articulações e surpresas.

A cenografia é social-tropicalista, neo-concretista, neoreciclável, apontando para memórias como a arte de Oiticica, Lígia Pape e o teatro pobre de Grotowski, na boa criação e finalização do cenógrafo Renato Bollelli.

Jirí Veltruský, estudioso do Círculo Linguístico de Praga, dizia em 1940 que o teatro é um laboratório de semióticas contrastantes. E isso é evidente no teatro vivo contemporâneo que se faz nos circuitos independentes, muitas vezes, com instigantes reformulações, como nesta peça Ròzà. Por exemplo: na elaboração dos signos e sinais que trazem para os dias de hoje um recorte do percurso mais íntimo (as cartas não mentem jamais) de uma mulher que se tornou por uns tempos conhecida como a Rosa Sangrenta: pobreza, fugas, infidelidades amorosas, traições de companheiros de luta política, prisões, erros, assassinato de cunho trágico.

Rosa Luxemburgo nasceu em março de 1871 numa vila da Polônia, então sob o jugo do Império Russo. Formou-se na Universidade de Zurique, depois de vários obstáculos. Mulher pobre, judia, e comprometida com alguma revolução, fundadora do Partido Comunista alemão, ela também escrevia e dialogava diretamente com os escritos de Marx. Seus ensaios políticos e cartas ainda estão por correr o mundo com a impetuosidade ali instaurada.

Rosa - pacifista, antimilitarista, internacionalista -  foi além da panfletagem e dos manifestos. Rosa era uma poeta e pensadora; sua presença histórica se revela ímpar, sem parâmetros entre seus pares, como mulher destemida, como sensibilidade arguta, como observadora que vence os obstáculos de seu tempo de guerras e do mais nefasto negror.

Vale lembrar uma de suas assertivas de estimulante atualidade: “A revolução proletária não precisa do terror para realizar seus fins, ela odeia e abomina o assassinato. Ela não precisa desses meios de luta porque não combate indivíduos, mas instituições; porque não entra na arena cheia de ilusões ingênuas que, perdidas, levariam a uma vingança sangrenta. Não é a tentativa desesperada de uma minoria de moldar o mundo à força, de acordo com o seu ideal, mas a ação da grande massa dos milhões de homens do povo...”

Na peça de que falamos e/ou a que assistimos, três “Rosas” perfazem um circulo da representação do ator: enquanto Martha Kiss é mais brechtiana, Lucia Bronstein é mais stanislavkiana e Lowry Evans mais performática; digo, sem sujeições lógicas, por livre arbítrio. A articulação do jogo demanda outras e novas arbitragens. Falamos de um espetáculo inovador, sem receio das fusões, gerado na trepidante cidade de SP, por novas e batalhadoras realizadoras. A cadência é acentuada por momentos de lirismo doído e doidas constatações. Música original de Edson Secco, preparação de atores de Ligiana Costa, também presente na canção do final. Três jovens e vigorosas atrizes, no frescor de suas idades e expressões, desfazem o mito para que o presente nos toque com a verve de Rosa Luxemburgo em seus conflitos e graciosas epifanias. O final, não conto: é preciso estar lá.

Se podemos recortar um aspecto a discutir neste drama proletcult (revertendo a expressão bolchevique) é a ausência de mais dados da questão exatamente política, do que se denomina contextualização. Mas a opção de Martha Kiss (sua equipe e atrizes) vai na direção de resgatar inicialmente e com rigor o subjetivo, as particularidades pessoais, o fino sentimento instalado no coração de Rosa e suas sanguíneas flores.
É espetáculo de combate e diversão profunda, para circular pelo país e por outras nações, depois de sua estreia inaugural no último Festival de Curitiba. Quem for a São Paulo, ou lá estiver, a temporada vai até 11 de maio, de sexta a domingo.

Vale lembrar, por fim, o contundente epitáfio escrito para o túmulo daquela que foi fuzilada e jogada num canal de Berlim: “Aqui jaz, Rosa Luxemburgo, judia da Polônia, vanguarda dos operários alemães, morta por ordem dos opressores. Oprimidos, enterrai vossas desavenças!”.

terça-feira, 15 de abril de 2014



eclipse de terça




eclipse na madrugada avançada e não acordo para ver a lua.
contido no  sonho, sabendo pela luz oculta, que ela está sanguíneaária,
ou mais no foco,  vermelha como papoula, livre, grávida de si,
ainda sem comando, livre dos bárbaros:
somos todos eclipsados, encapsulados no cosmos,
mais vagantes que meteoros, somos todos poros
de um planeta admirável  e sagaz até dizermos: chega!
elipses verbais, elipses da distância entre você e eu.
somos todos astronomicamente afastados,  ausentes, infalíveis.
lua é satélite que não sangra: é boniteza perdida no além dos horizontes.
lua é Seleneesplêndia,  silene  de sementes congeladas, planta e astro.