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terça-feira, 19 de novembro de 2013

A beleza

Negra alta harmonizando sobre a cabeça
Roupas brilhantes, algodoadas, engomadas
Passava pelas ruas de areia cheias de espiões
Passava como parecia num desfile
Silenciosa e decidida e calada
Enquanto nas calçadas bocas proferiam
A elegia de sua fineza com os tecidos.
Lavava numa tábua à beira do rio, usava anil,
Passava no ferro em brasardente e enchia
A casa de roupas brancas, azuis, cáqui
Calças e camisas, lenços e lençóis.
E sua encorpada postura ao carregar
As límpidas peças sobre a bacia
Coincidia com o final do dia, o sol saía de si
E ficava a indagação de todos:
De quem seriam as roupas clarissonantes
Bem belas, protegidas, perfumadas de esperança?
Ela desaparecia na esquina, sumia no enigma.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

pai gigante

Sou de um tempo
Em que se limpava os óculos com o cuspe
E ao lado da máquina de costurar, senhoras
Montavam roupas, mascavam e murmuravam
ao lançar tabaco mastigado na escarradeira esmaltada,
sem perder os dedais dos dedos.
Sou tão antigo que acordei  vários dias com
Os olhos  mascarados de remelas:
Estava cego até que a mulher mãe
Vinha com um algodão úmido e cálido
E abria as pálpebras aflitas.
Sou aflito como múmias que mourejam
Em cavernas nunca descobertas.
Bebia água no mesmo copázio de meu pai;
Todos bebiam no mesmo copo de alumínio areado.
E em seus pratos de cerâmica, como espelhos,
Viam o mesmo rosto de um passado,
Um é a cara do outro, tempos de pessoas perdidas.
Pai gigante, há um século soterrado nas tábuas
Da casa de mulheres cantoras e choronas...
Descoberto entre escombros de uma tarde
Ainda com vida; ele ....estrelas caindo no telhado

poesia paraquem

Assim se sucedeu:
Vinha pela calçada sombria da noite
Com as compras do mercado e
Cervejas e uvas verdes.
Um baque no chão, uma lata de bebida 
espatifou-se
atrás de mim.
Caiu do saco plástico
E jorrando espuma rolando no céu
Com a graça de um pequeno gato
Com o jato de uma fonte aflita
À sombra do flamboyant vermelho.

Parecia dizer aquela cena na calçada
Não me beba ou beba-me agora
Que vergonha essa sua atitude
Diante de uma latinha gelada
Ainda há outras, pode aguardar um minuto.
Disfarça e caminha rápido
Em casa abrirás outra lata.