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sexta-feira, 26 de setembro de 2014

ditirambo


foto de CA

ditirambo de um só
no celular, passando os olhos em páginachama de Nietzsche: É preciso estar habituado a viver nos montes - a ver abaixo de si a deplorável tagarelice atual da política e do egoísmo de nações.


sol seco, sete solidões e, saca? 
domingo dominado 
dois gols de água ardente
uma cerveja estupidamente gelada
e estou no ponto. primeira reação:
não me venham falar em gargalo
esta palavra aplicada para o trânsito
da economia ao figurado obstáculo
túneis abstratos na tela transeante/

saúde e educação, palavras assim 
se repetem em mesas amarelas, amarelados
sujeitos, às vezes inflamados de verve vã,
dizem coisas de séculos extintos e pronunciam
pedrinhas de toque que foram ditas em primórdios 
nostálgicos, ou analgésicos, ou melhor arcaicos:
- põe o coração pra curtir. E dizes de ti pra ti:
segue teu destino, há horizonte e distância
ao desejo interstício, intimidado no lance/

sai do teu inconsciente, nunca mais sonhos
intermináveis com o ensaio que jamais começa.
se possível, caminhar para uma campina e mijar.
bandeie-se pro seu barato, basta de balbúrdia.
não escreve, pinoia, se sofres ao escrever,
uma imagem sonora em latim – talvez imago.
haja árvores de tinta e destino, magos sem reinado,
ave, domingos deambulados assim em extinção;rrr
ignora, ignorante,os ignoráveis 
sem foco em nada atrás, nem ao lado nem à frente.
não seguirei sua dieta, ditado datado e dormente
o que também que dizer estética desgraçada.
ébrio êmbolo, musical sem notável harmonia.
partirei pelos campos de éter e jequitibás.
alguém tenta contar história de um vale:
quando amanhecia na cidade submersa
teve uma vertigem e uma demência dominicalis/

ah, o que seria esperar da vida a verdade na voz.
se fosse, se não fui; se não seria, serei,
múmia pau da vida sou eu aqui, múmia
de ópera flamejante de guilherme vaz,
vaidade fantasma nomademente mente, 
querer restaurar o ruído rimbaudiano
é uma doença; criatura, não lembres dele.
nem do príncipe píndaro, quando diz que o homem
é uma sombra de um sonho, uma sobra onírica  
como ouvir vicente celestino na estrada pura lama.
teu pulmão é cerrado, também se extingue, otário,
ôba..., otário não, skindô, upa lelê,
não há mais dança ou sopro de flautas
e só aí podes ler o subjetivo do comigo
sobre céu, debaixonuvens, antes lua.
três passos à frente, traços de tristeza, trenos
trazem lágrimas fulminantes, da memória
às duas portas dos olhos de depois de amanhã,
és como a página-gravação em branco de um set
dispensável pelo diretor e sua equipe;
isso é quando atores têm sono, diarreia ou  
deslumbram-se como se fossem a própria 
arqueologia do presente agonia, ópera flutuante
não há mais dança nem música de flautas,
tantos nãos - inspira algum signo de sossego
super céus, desastrosas nuvens, dentes da lua,
três passos à frente, traços de tristeza, lamentos
trazem lágrimas fulminadas da mente às duas
portas dos olhos, praia cósmica, ondas volúveis,
quase afogar-se, o cais é acessável, está ali, para    
embarques, desembarques, circuito curto/

ter a sala da perseverança - intacto e mudo -
é uma graça alguma, ilusão à toa, canção 
paira sobre outra esfera de teu ouvido desligado
unção de bálsamo derramado no âmago da alma,
tolerância de coração, sombrio não, solar, celsonar.
valores supremos do espírito me interessam.

sábado, 20 de setembro de 2014


tela da série Ciclistas, de Iberê Camargo, no site www.iberecamargo.org.br

a bicicleta da pamonha


vai passando a bicicleta da pamonha
pamonha quente, hummm, pamonha
doce com queijo, pamonha de sal com queijo,
apenas dois reais e cinquenta centavos
veja ali aquele senhor de bigodes que vem ali
veja aquela senhora de bobs que vem chegando
a bicicleta da pamonha. aproxime-se, freguês.

o rapaz anda devagar e põe o som instalado no 
guidom, pesado o que vende, pesada acústica, 
mais decibéis que em cultos evangélicos,
ou vendedores de gás, ou comerciantes de frutas.
nem os cães suportam os gritos do anunciante
no alto-falante em volume máximo, sol 
inconformado, falante em raios rápidos.
a tarde se desfaz em pamonhas agora derretidas
que um pamonha leva na bicicleta da empresa.
e onde será feita essa pamonha?
às vezes ouço: olha a bicicleta da maconha
ou, pior, olha a bicicleta da insônia. 
quero fulminar o rapaz da pamonha,
o pamonha que suporta os espasmos sonoros
dessa mesma contínua marcha para
uma solidão melada, macia, como pamonha.
quando chove ele se cala, se abriga, 
mas mal esmorece a chuva, volta com
sua bicicleta, pelas mesmas ruas,
com o reclame infame gravado em estúdio.
que absurdo te incomodares com quem ganha
a vida de sol a sol, de conjunto em conjunto,
navegando num mar de asfalto e calçadas! 
     
é a pamonha do melhor milho
vai passando agora na porta da sua casa
em frente à sua rua, vai passando, aí, meu amigo.
como Zaqueu, como Zagreu (?), quero subir
vai passando a bicicleta da pamonha,
o mais alto que eu puder.
pamonha de sal com queijo
só pra te ver, olhar pra ti,
entra na minha casa, entra na minha vida.

...aquele senhor do bigodão que vem chegando ali
aquela senhora de bobs que vai chegando ali...
o ciclista cruza ruas caninas e secas, silentes,
insiste no vazio e, por uns minutos, tudo se cala.
encontrou alguém que comprará a pamonha do seu  
isopor suado, soprado de poeira e sabor.  

terça-feira, 16 de setembro de 2014



trecho de Da Harpa,  XLI, 1857
foto de CA no espetáculo Sousândrade em Camarardente
Sala Alberto Nepomuceno, em 2005, foto de Júnior Aragão

Joaquim de Sousândrade

Silenciosa noite! um céu apenas
Adiante eu vi raiar: mostrou-me a terra
Dos meus pedaços espalhada, e eu só,
A dor me contraiu: oh, como é longo
O caminho que eu vou! – por este monte
Eu tenho de passar: cada uma pedra
Que eu ergo, sinto atrás de mim cair,
Um passo que eu dou – de menos este sol
Me deixa respirar. Cansado e morto,
Na minha tumba eu já me deito: noite,
Oculta-me em tua sombra!...Já branqueia
Abertas margens do horizonte a aurora:
Ave de Juno desplumando estrelas
Nas saias ondulantes, tu mentiste!

terça-feira, 9 de setembro de 2014


obras de Carlos Borges/foto de Peninha


Ô KORÉ Ó

ó Koré ô Koré
Koré de peplos nos ombros
vestida de peplos sinuosos véus
peplos assentados em duplo corpo
sem mangas, braços despidos,
rosto coberto da mais alva pedra.
ó Koré ô Koré,
cabelos leves e longos, túnica tecida,
você em pé, há tantos séculos
na acrópole de Atenas;
isso me faz prantear.
como eu te amo, Koré.


canta, divina Perséfone,
cinzel milenar de bela escultura, volta.
deixa tuas armas brincarem, deixa este mundo
inferior, este tempo avernal - não te raptarei,
mas em brancas rodas de rosas dançarás comigo
ao luar da ágora acesa, ouvirás algum canto calmo,
lua cheia, abaixo do Olimpo onde coroas
miram templos e tempos.


eterna adolescente das ervas
entre flores e frutos, caminhas, menina.
o alecrim está em tua pele – boticelli!
grãos germinam da terra por teus passos,
le rondini nel cielo, nuvens de aço, cúmulo,
Persefatta, Persofoneia, Prosérpina.
táteis escuros olhos esquivos me chamam
e vou até a ti, sedutora e fugidia praia plástica,
se assim quiseres, deusa tão querida como 
embarcações coloridas que velejam e viajam
para onde não há cais nem mesmo sais
ardentes, sais flamejantes, lágrimas brotam
em árvores de um perfume antigo que me mata.

CA - set.2014  


segunda-feira, 8 de setembro de 2014



Alda Maria em foto de Wolfgang Pannek

teatro/comentário


Androgenia passada a fogo


Um ser humano de qualquer lugar deste mundo, delicado, seguro, insinuante, recebe o público, em pé no centro de uma cena vazia, com um fundo cenográfico branco... Pode ser um bilheteiro de cinema, um vigilante de trem, um soldadinho de chumbo, um pierrô noturno e anônimo, uma garota à espera do outro.  Mas a pequena criatura levada vagarosamente por uma onda de ironia se desfaz no escuro, e é da escuridão que surge em desdobramentos a figura da performer Alda Maria Abreu, integrante do núcleo Taanteatro, instalado em São Paulo, sob direção da mestra Maura Baiocchi, na obra intitulada Androgyne – Sagração do Fogo, no Teatro Garagem da 913 Sul. 

A sintética instalação cenográfica é de Wolfgang Pannek, fera de múltiplas funções, como sua companheira Maura Baiocchi, uma das grandes criadoras de teatro/dança/performance das artes contemporâneas e que, em caso excepcional, atua até como bilheteira do próprio espetáculo que dirige. Imagina: Maura Baiocchi na bilheteria, ela que já levou espectadores de várias partes do mundo “à loucura”. A música é de Gustavo Lemos, replicando, multiplicando, acentuando bravamente o que logo se verá-viverá.

Um sopro e a boneca de vento vai traçando o seu teatro de operações, com as armas próprias do corpo. Corpo esquizo? Não, corpo são em mente sagrada, máxima pesquisa de dias e noites de método, pesquisa, associações libertas. E o que vai se desenhando diante dos olhos nossos é uma grande dor, uma cirurgia de musculaturas e tensões que se debatem, contorcem, refazem, descem e sobem (catábase e anábase), despertando-nos da letargia para uma presentificação em que o expressionismo parece ser a linha do trilho. Mas a estrada é mais fértil e farta: são poucos os minutos e largo o tempo em que Alda atravessa evocações do corpo andrógino, em sopros que evocam os sonhos de cada um. Não há alopração, hein! Tudo é resultado de uma partitura de signos quentes. Não há finalizações, como nas artes bem acabadas, há interrupções bruscas, cortes delicados, línguas dobradas. O corpo revela forças inauditas, ao expor tensões físicas, sintáticas, semânticas, intermodais e pragmáticas, como está claramente descrito no livro Mandala de Energia Corporal, de Maura e Wolfgang, em sua preciosa série de publicações do Taanteatro.

Cultura, história, ideologias, versões de filosofia e poética, se dissolvem no espaço e no tempo. Quanto à androgenia, o caminho mais direto é ler e ouvir-se em Sigmund Freud. Perdemos a noção, pois aqui a mandala se espatifa em átomos, para o olho imaginante, para a colheita de frutificações dos órgãos humanos. A questão em cena, declaradamente, é a de uma identidade sexual que também imaginamos existir. Alda vai longe...os horizontes são tão largos que podemos pensar no Egito antigo, no arcaico Japão de Hijikata (mestre do butô), nos ancestrais ritos afro-brasileiros, nos inclassificáveis classificados da espetacularidade contemporânea.

A performer, que é atriz e dançarina, vai às profundezas de sua musculatura e isso dói, nela talvez, em nós mais ainda. Planos, cortes, contorções, choques extremos nos membros, uma nudez que só se vê nos inconscientes movimentos da energia mutante. É uma arte de espelhos que se quebram, de cabeça, tronco e membros arregalados, num redemoinho que faz os leitores de Nietzsche, Artaud, Deleuze e outros pensadores de nossa alienação virem à tona, quase de maneira límpida e curativa.

Alda Maria Abreu, pequena figura que se amplia nas sombras e nas dobras e expõe seu ventre - suas coxas, sua vulva e sua língua, seus olhos de medusa e seus cabelos de uma antiguidade atualíssima - celebra sua passagem-travessia pelos nossos medos e perplexidades. Morde-se, morre-se, ressucita-se. Ressucita-me, ainda que mais não seja. 

Uma dica: Taanteatro é uma das escolas mais radicais, refinadas e exigentes do teatro contemporâneo, leia mais no www.taanteatro.com. Outra: Alda é filha de santo de Maura, ambas filhas de santo de Hijikata, Kazuo, Frida, Chaplin, ou melhor, das florestas, dos yanomamis, dos tibetanos, dos nigerianos, dos bárbaros, de Isadora, etc.. Outra: depois do vôo sobre todas as indiferenças da vida, vejo logo depois, na realidade, uma pequena multidão que segue carros de som e palavras de ordem, na suja rodoviária do Plano Piloto, esbanjando-se nas buscas do que chamam de Parada do Orgulho LGBT. Tão próximos e tão distantes. No ônibus, a criançada que vinha da festa parecia falar do mesmo assunto, atônita, aleatória. 

E mais uma dica: fico imaginando uma obra-operação como essa vista por uma multidão de sujeitos, o que não provocaria! Fibras se alargariam, nervos seriam expostos, as primitividades dariam em carnaval. 

Por fim, para respirar fundo e tomar meu banho no quintal, ficam as palavras quase premonitórias da própria Alda Maria citada numa das preciosas publicações do núcleo Taanteatro: “Desço abaixo do mundo. Triplico de tamanho. A pele solta do músculo, o músculo solta do osso e o osso da alma. Ouço a música de meus ossos chacoalhando. Grito esse som. A carícia do vento leva embora pequenos pedaços de pele e tira o véu que ritualiza meu encontro com o ar. Pele, músculo e osso ganham distância entre si e, a despeito das leis gravitacionais, levito por todos os lados, vejo meu corpo material expandir-se no ar. Só alma, só espírito, sou estado de matéria em suspensão”. 

O teatro, feliz ou infeliz(mente), ainda É para os que vão até à ágora aberta, às grutas ou catacumbas perfumadas, em que há saídas para o mais promissor dos pranas. (CA, 8.8.2014)

domingo, 7 de setembro de 2014




foto de Yaci Andrade


Dois poemas para Caymmi

Wellington Dantas

DIÁLOGO QUE FLUI

Dorival diz: só louco amou como eu amei,
só louco sabe o bem que eu quis;
ao que Rimbaud dispara: já é uma grande vantagem
que eu possa rir dos velhos amores ilusórios.

Heráclito discorre: não podemos nos banhar duas vezes no mesmo rio
porque suas águas se renovam a cada instante.

Eu deságuo: insisto em mergulhar nesse inconstante
e também rio.

URGÊNCIA

É doce morrer no amar,
antes que o amar amorteça.
Nos olhos verdes do amar,
antes que o amar não mais veja.
Nos braços fortes do amar,
antes que o amar desfaleça.
Nas pernas rijas do amar,
antes que o amar enfraqueça.
No colo quente do amar,
antes que o amar desaqueça.

É doce morrer no amar,
antes que o amar esmoreça.
Nos lábios tintos do amar,
antes que o amar emudeça.
No riso pleno do amar,
antes que o amar entristeça.
Na cabeleira do amar,
antes que o amar já não cresça.
Nos seios firmes do amar,
antes que o amar amoleça.

É doce morrer no amar
antes que o amar só padeça.
Nas ondas verdes do amar,
antes que o amar madureça.
Nas águas claras do amar,
antes que o amar anoiteça.
No tempo presente do amar,
antes que o amar esqueça.
No infinitivo do amar,
antes que o amar findo esteja.

É doce nadar no amar,
antes que o amar nada seja.

CAYMMI — AS HONRAS DA HORA E OUTRAS ONDAS
Caymmi, negro como convém a quem de fato é fruto de amor gerado na Bahia, mas de sangue e nome também italianos, nasceu há cem anos, na Saúde de uma Salvador não irremediavelmente doente como a de hoje, quando os trilhos urbanos ainda não haviam demolido a Sé primacial. Portanto, euroafrobaiano é o santo, desapegado de tudo o que viria a ser, em desacordo com o seu legado, o empopecimento da canção. Fundante e dissidente, seu canto é bênção e seu silêncio é lição. 
Agora, é hora de bater o burocrático ponto das celebrações oficiais no redondo da data, com todas as pompas urgentemente improvisadas para que as homenagens pareçam menos inconsistentes do que são. Há sempre nessas comemorações inegável justiça e oportunismo hipócrita.
No entanto, outras ondas existem... 
Desde a infância, dão colorido à minha memória os improváveis azuis de Caymmi e o Mar, com ondas rebentando em rochas ante um estoicamente impassível e jovem senhor, a olhar para algum além de que não se sabe, mas que inequivocamente está fora do enquadramento.
Sem as pressas do agora, na calma que Dorival inspira, escrevi, há décadas, dois poemas, publicados em 2010 no livro Adiantamento da Legítima, de minha autoria. Neles, assim o evoco com a admiração da criança que cedo o ouviu por gosto e apontamento dos pais: 
Anacoreta avesso à fome de fama, ele cantou muito sabiamente: “Pobre de quem acredita na glória e no dinheiro para ser feliz”. Logo, São Francisco Salvador. Sim, euroafrobaiano é o santo. Soterofranciscano. E o que lhe foi circunstante nos é bem menos longe e exótico do que possa parecer.
Tudo o que ele nos cantou nos é tão próximo e ainda está tão perto, apesar de cada vez mais triste e dessemelhante. Salvador, 30 de abril de 2014. W. D. Cavalcanti



quinta-feira, 4 de setembro de 2014



foto de Tayla Lorrana/2012


da satélite para o plano


aquilo era tão distante passeio, extenuante jornada,
viagem alongada, onde se dormia mesmo em pé,
passando por sombras de altos eucaliptos em série
e o aroma vívido invadindo o ônibus, adjetivos no ar
e uma serra por descer, uma visão substantiva
de parte das duas asas do plano, o avião concreto,
o lugar cobiçado, alvo, amplo, sereno e hostil;
íamos passando por baixo da catraca, sem pai nem 
mãe que nos vigiassem, livres criaturas da novacap.
a piada entre os irmãos: diabo três, ou ei-chuchu!
nós que não estávamos habituados a comer chuchu 
e nem compreendido uma cidade sem conhecidos,
imitando propagandas nas viradas bruscas
do scania-vabis (ou mercedes benz?), um bichão 
barulhento, fumaceiro, a ponto de explodir. 
se não se conseguia abrir o vidro da janela,
pela força, puxando asperamente, ríamos:
toma, tody; toma, tody - bordão-tevê da época,
repetíamos ruidosa e ridentemente em plágio.
numa curva, todos pendendo para o lado contrário,  
e minha irmã mais nova encontrou dinheiro
na serragem espalhada pelo corredor:
sem duvidar, cobrimos a cédula com os pés
e, algumas paradas à frente, entre o olhar de 
apartamentos decorados como em novelas,
pusemos o achado no bolso e, nesse dia,
perdidos pelas quadras, buscando a igrejinha,
que só achávamos uma capela sem padres e fiéis, 
sorvetes de deliciável creme e casquinhas
foram nossos ao sol, e era apenas o início da tarde.
santos nos seguiam, azuis e brancos, e bastava.  

terça-feira, 2 de setembro de 2014


foto de Tayla Lorrana

delete-me

obrigado, agradecido, pois sim, miss,
por não se mostrar acessível, acessável.
seja louvada por fugir da rede na hora exata
em que lanço uma palavra qualquer,
por não querer falar por excesso de ocupações.
nada com nada, ninguém com ninguém,
corações são apenas imaginação da sua mente.
livre associação, presas todas aos nós de nós.
grazie, signorina. grazie, figlio mio,
já que sua paisagem é farta de imagens
mensagens indecifráveis de tanta obviedade.
quando estiver diante de seu avatar,
farei de conta que és apenas um toy
uma tolice, estultice, estapafúrdia figura.
vamos lá, avance com suas postagens farsantes,
brinque de doido, fotografe-se em selfies 
depravados, desbrave as terras do sentimento
inútil que os futuros amantes pensam dominar.
ah, meu caro, você está apenas dançando
em circunstâncias circulares e viciadas.
esqueça que a história se repete, a história
não é estória, nem fábula, nem domínio, é farsa
e falta aos seus contatos um mestre, uma luz,
um farol e até mesmo uma vela branca acesa.
você se ausenta, eu me deleto, eu desisto e
insistindo em não morrer por você, vivo e sorvo
qualquer outro contato que não seja seu virtual -
porém sem virtudes - grasnar ao longo do campo,
extenso e belo campo de plantações de arroz,
levante bandeiras velhas, apesar do tecido sintético.
lasciate ogni speranza, voi ch’entrate!
não, não lançarei fora a expectativa amorosa
que em meus dedos se esvai. jogo, jogo e lanço
as sementes da plantação que talvez germinem
na terra devastada, impune, despida de mim, 
nenen, cometa loucuras, but don’t make bobagens.
o mar se faz de rios, risos e rizomas.