foto de Tayla Lorrana/Maranhão/2007
dias fáceis
ohrgh dias felizes e difíceis
ôuuah dias que passam e enganam
pensando que sou bobo do corte ou
bêbado besta entre bregas bacanas
breves baganas do ser um bagaço
em forma de pessoa mais uma pessoa
uma pessoa mesmo inteira e deslocada
corte é o golpe a corte usurpistadora
a incisão do tempo na pele
tudo é triste e resiste por alguma falha
isso pelo menos em mim oh azar
pois perpasso por criaturas nas ruas
bom esta cidade não tem ruas
sou antigo e elas atualíssimas
e rápidas e alongadas ou não
pessoas que funcionam loco
movem-se no ritmo dos rizomas
de identidade porte fisionomia e
como pode tanta saúde clara
que porra é essa de poder ser
sem estar que não alcanço
interrogação
estamos todos ameaçados
o terceiro mundo explode
o segundo sol não chegou
o primeiro planeta nos dirá vivos
ah dias felizes a e i o u
sem invídia transtorno ou turbulência
dias de ira calamidades e inconsciência
falsidade é um dom poético
sejamos éticos e o resto é
putaria ou possível poesia
qualquer alguma a intrusa
a difusão da luz nos escombros
qual mesmo é seu farol
interrogação
esqueço a profecia na praia
interrogação
criatura perduta da tempo
Linda Baptista/foto sem assinatura na web
a cantora ambulante
chegou à nossa casa
o convite de uma cantora
e isso não era comum na cidade
na face a da figura estampada
o belo perfil e um nome inventado
que não lembrarei nem em hipnose
de cabelos de sereia e pinta de lápis
um olhar vibrando sedução leve seda
na face b o convite para o drama à
noite no teatro do salão paroquial
foram horas de espera debaixo das horas
ouvi sussurros sobre ela à mesa cheia
nas calçadas no alto-falante da igreja
no vozerio vizinho sussurrando suspeitas
tive tempo de nadar no rio correr à ponte
pular no poente e à hora dos sinos de bronze
o banho a roupa e loção foram pra ela
as calçadas tortas pareciam ladrilhadas
meus olhos se perdiam entre luzes foscas
os setores de cadeiras de escola italiana
estavam falantes barulhentos buliçosos
e bastou que a cantora e o pianista
surgissem no palco ainda em penumbra
para que as pessoas uivassem assovios antes
que ela emitisse alguma nota musical
é que ela era mesmo uma beldade dos sapatos
aos longos cabelos caindo sobre os ombros
da caminhada etérea às lantejoulas no colo
ela acendeu o palco com sua luz cantante
estava tristíssima nos primeiros solos
aos poucos foi se tornando esfogueada
e brandia com os olhos e agudos seu instante
melancólica rumbeira bolerista sambista
ela foi levantando criaturas até deixá-las de pé
aplaudida pelos trinados o rebolado e mistério
falou um só momento no final das canções
fora cantora em copacabana e na bahia
perdera-se pelas geografias estradas e gentes
mas quanto mais quente a escuta mais seu
coração se acendia como num encantamento
marítimo e disse então que era das praias e
à noite gostava de sentar-se só nas pedras
pra ouvir uma voz que queria fosse sua
o silêncio se fez num impacto compacto
ondas voltaram de longe ecoando espumas
acendeu um cigarro com isqueiro de prata
algumas mulheres choravam discretamente
os homens ficaram calados ou em canalhice
amei aquela criatura sem destino sem discos
sonhando ser tantas em si e parecia perplexa
diante das flores que o pianista lhe entregou
e das moedas que jogaram a seus pés
voltamos algo exaustos pra casa e ferrolhos
se fecharam e todos foram dormir e fiquei
imaginando onde ela estaria abrigada se em
casa de amigos ou num dos poucos hotéis
eu fiquei triste por ser uma cantora na foz
ambulante e abundante de canções nel cuore
sonhei ouvindo lenços perfumados de sua voz