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sábado, 30 de agosto de 2014


na loja de Élton, quadra 3-Sobradinho - foto CA.


finalizando a gosto


finas linhas de palha queimada, passagem de horas
que se calam e performam pelos minutos banais
tramas desesperadas, truques no olhar andante 
processo complicado demais pra explicar
ou palavras de menos no cérebro oxigênio
no acordar domingo, banho-perigo, roupa a vestir,
sair para encontro, conversas, nada de conversas 
ao lado de corpos carbonizados, ali no acidente.

sem micro-ondas no extradia, no extravio de dívidas
na mesa de mármore suspensa, pernas paredes 
papéis do imposto de renda à conta de luz.
livros lidos livres de suas letras, lividosos.
quebrar padrões, insinua o filme de segunda,
e para se livrar das imagens – escravizadamania - 
estalos de elegância, silêncio, sopros, sonhos
e estética extasiada elegia de onde viés a luz.
recomenda-se não tocar nas feridas sem luvas.
afaste-se o que sequer sabe da compaixão.
exausto, por que, se nada fizeste?
deixaste que o dia se contraísse em calafrios
e nas copas das árvores cruzadas em galhos.
pensavas assim: só tu vês o cipreste de van gogh
exposto a essa hora, como a barbárie da história
- essa história descartável, espúria, fagulha –
ora, bolas, és somente o que se finda em agosto:
quedas, demolições, vórtices homicidas, óbvianoite.  
ousa, alça uma ideia de asa, pisa as calçadas,
uma nuvem descalça, uma memória calcinada,
sustenta nos ombros a sombra, deleta o fardo
e não te negues a dormir, sonhar através
do lance de dados demências dançantes.

celso/31.ago.14

quarta-feira, 20 de agosto de 2014


International Space Station - George Krieger/2014


MilêniO


que não demore um milésimo de segundo
pra que esta coisa que só posso chamar de 
cancela, chancela, candeia, caravela
acenda-se em gladiaturas – veia do tempo;  
que não demore um segundo, um minuto, um dia
pra que esta lousa, pedra perdida, se inscreva
por algo que move a mão deste que
não sabe se escreve ou é escravo da pedra;
idade de homem que já passou da idade
debruçado sobre teclas pretas, letras brancas
história televisada, simulacro, jogadores extenuados
aos 48 minutos de um estádio gelado em freezer,
templo de lamentáveis contemplações.
a banalidade domina a noite possuída;
portanto, subjuga meu ser ao não-ser nada
com vinhetas, chamadas repetidas, cenas
incandescentes de mesmice marca-passo.
é o que disse um dia, brincando, levaram a sério:
este é o Terceiro Merdênio
e como essa expressão (derivada de Nietzsche?)
incomodou aos que pelo Milênio Terceiro soltaram 
foguetes, lançaram flores na cachoeira, beijaram 
poeira e faces desconhecidas, deslumbramento só.
a era de Aquarius já era; foi no máximo um musical
vendido a preços altos na bolsa das óperas banais.
o tempo é do contra, o espaço é a conta-gotas
e liquidado, me rendo, fendas livres, barravento. 

segunda-feira, 18 de agosto de 2014


Ressonancia


poema/desenho de Humberto Brasiliense


2012 fim de era no calendário maia
catastrofesperada não aconteceu
passou batido o transpasse de HHSM
trespasse por etapas
alegoria da vida
alegria de ver o mestre
superar seus limites
com recursos mínimos
subir três andares
levantar-se das profundezas
da poltronacurupira

hermescurupira
andaoinvés
pensasquestá indo
quandoestá  vindo

ganhou densidade o trecho
do divã até a porta de saída
que fazia questão de fechar
e abrir com as próprias mãos
senhor da sabedoria
chave da entrada e da saída
algum breve comentário
à guisa de até mais
não se trata do que estás
pensando
está além aquém
o esforço para resistir
ao impulso de ajudar
alguém no limite
uma observação sobre
a importância do silêncio 
matéria escuta
antecedendo o sentido
enfim um dia
numa tarde de quinta
a cena que anotei
no desenho
que a descreve:
ressonância magnífica

ouvi sua voz me despedindo: tiau
ao sentar-me no divã voltei-me
vi que a poltrona

estivera de costas para mim

BsB, julho 2014


Humberto Brasiliense, poeta paraense-brasiliano, compositor, fotógrafo, desenhista e escritor.


foto de CA/2012

Sala de Exame nº 1


poema de Marcílio Farias 

Tente respirar do fundo dessa pesada zoologia
Feita de pus e muco, mundo inteiro,
E você sente o gosto e o cheiro de
Sua própria presença, que bate na porta de dentro,
Ouve o barulho de entranhas,
E de repente nota que ninguém está em casa.
Meteóricas asfixias diárias, como
Asanas forçados em um ashram imaginário e perverso.

O Valete de Arco-íris é minha lenda favorita.
Ele e o mapa secreto que mostra onde
Dois lados se fundem e colidem, beijam e
Se fundem, quando em questão de segundos,
Você sente o gosto e o cheiro de
Sua presença, bate na porta,
Ouve o diabólico barulho de entranhas,
E de repente nota que não há ninguém em casa.

A sala de reuniões é grande demais para esse mar
ressecado.

As crianças não jogam bola na rua. Essa janela
E esse décimo andar encurtam a

Distância entre meus olhos,
Os seus, e o mar.

poema de Marcílio Farias, de Natal-RN,
formado na UnB e que vive entre Brasil e  EUA
em seu livro
Rito para Ressuscitar um Elefante -2010

quarta-feira, 13 de agosto de 2014


Buda Negro
óleo sobre tela do mexicano Javier Peléas, 2010, México - imagem no start.guide.com

buda euronegríndio

da poeta brasiliense Vania Souza, 2014


um buda brasileiro
buda de terreiro
bunda no lelê
turista estrangeiro
comendo uvas e mulatas
uivando no terreiro
traseiro na janela
um buda brasileiro
tatu bola, brazuca,
pele pra cuíca,
pandeiro e agogô
atabaque no terreiro
atabacate, coqueiro, 
abacaxi
na cabeça
buda mulçumanomacunaímico
mínimo, máximo, mímico macaco
índio negro e sarará
buda
coloquei os óculos pra ver as estrelas
no vale dos quilombos
na grande lua cheia
mamãe lua protege-nos todas
da nossa ancestralidade
dá-nos a força da linhagem
pra cuidar das nossas filhas
tuas filhas
nossas irmãs
mamãe lua

Vania Souza - 2014


sábado, 9 de agosto de 2014


foto CA/2013, com imagem de David Hockney (?)

domingo maior


domingo maior, hã!
dia de minguantes expectativas, dolores
anúncios, promessas encadernadas, atadas,
previsão de torpes desgraças exibidas.
desde que a manhã se programa,
platinantes de tudo, a manhãnada
fabrica pássaros, passos, passagens,  
esbagaçados drones sobrevoando
os crimes nas estradas,
plantações mortas, safra insolente. 
desgraça, que chamam tragédia
nos rios pontes moradas indústrias
nas escadas dos edifícios na escala
de humanos promíscuos como nós?
but the movie is Wolverine,
o de unhas de ferro e ferocidade
inaudita entre outros tão facínoras,
prolixas porradas - preambúlico e poscefálico, 
ossos de adamantium - o sublime metal. 
o meu pai dorme o alto sono no hotel
eu falo sentado no carpete aspirado
do corredor precintado, pré um momento, 
você está me ouvindo?
sim, ouço nitidamente
soa como se inviabilizando trôpego caminho
sai de sua boca desmobilizada língua aprisionada
uma dor sem fim e sem limites e filial.
não há mais como pensar algo neste fim de tarde
embora a noite mal se vista com sua roupa 
boa madrugada, valeu, precisa mesmo...
só um momento: filmes norte-americanos
programados. alguém me faz chorar
lágrimas ardidas, pimenta nas pupilas
jamais compreenderá a dor de não se dizer.
no fundo físico, anímico, lá nas  fendas, 
anêmico anônimo, neurótico cult,
passam as horas sobre mim
projeções de películas fantasmas.
noite agradável, ahahaha, noite dada.