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sábado, 28 de março de 2015


Vânia/foto de Cilene Camargos

Vanialém


as constelações que caem de tua boca
Vania, não são vãs, são verbenas, vêm
da Albania. Verbenas só germinam sim 
triangulares-oblongas em tropicalidade
Adriático, Macedônia e Grécia, rizomas.
Albania seria a estrela que feito águia
denominarei agora como tuo nombre. 
não sei se existe, se está brilhando em
esse exato momento que palavras de
palpáveis falas estrelares saltam logo
entre teus risos, olhares e ritmos que
não consigo seguir como pauta plena
mas partitura atonal ou dodecafônica  
sândalo e ervas aromáticas do briand
falas de uma menina sulamericanada 
correndo entre superquadras em e ou
bicicletas, fuscas e outras automóveis
nada estonteante, mas pura boulez-a
a inteligência desdobrada nos olhares
fartura d’uma vida de atômica alegria
sempre o cravo na bolsa, e tal poesia
que inunda a superquadra, assombra
os pilotis, nossos passos, travessia e
quante cose sentivo di dirte m’anche
allora dovevo partire anche me viene
qualcosa, ma chissà lascia andare ah
sbaglio, stronzo, a me viene al cuore 
alguma coisa rapidamente, almânias.     

quinta-feira, 26 de março de 2015



foto CA/2012

sexta


é a noite do delírio, la isla del deseo 
sentidos desfazem-se nas veias
o amor é o além do horizonte
o espírito santo está batendo asas
sobre cada delírio que me inventa
e me destrói ao mesmo tempo verbal.

talvez por isso eu entenda tanto

um requiem na noite de sexta
esvaída, anunciando o fim de...
aeternam, dona eis, Domine. 

e esses musicais aviões ágeis

descendo para o aeroporto!
nem quero saber das criaturas
que desembarcam de longe, distantes
daqui, de fora, ou dali chegantes,
com suas malas e máscaras 
na esteira de bagagens do antes. 

enfim, em casa e a constatação

do mofo, dos cupins, dos mins
que querem me invadir e persuadir
que tenho ainda alguma lucidez,
(que engano!)  e a luz perpétua,
luzes sobre todos meus amores.
me amem, simples, e eu também
talvez destile um instante de olhar
amoroso olhar, escuta de animal,
sobre as faces que luceat eis. 

sábado, 21 de março de 2015



foto do site  
pt.dreamstime.com


Lígia Rosa do Rosário


Lígia, Lígia Rosa do Rosário,
sei de algumas histórias suas.
de Abaeté à Asa Norte inóspita.
lá, homens verdadeiros, mulheres nas veredas
do sertão mineiro dos menininhos, contas
cento e tantas orações, escandente ventura
aos tantos filhos e filhas por criar,
o gado no pasto, o céu misterioso,
os profundos do chão e das águas. 
Aqui, Lígia Rosa do Rosário,
você é criatura dum longo poema
de um amor que falava do mar
e esse mar era seu amor amável
e seus miúdos olhos pura memória
e seu pequeno altar pleno de santos
e suas histórias tão próprias com sabor.
Um rosário só pode ser uma antologia,
uma coleção de flores de aroma, dividida,
multiplicada por tantas atenções lindas.
Sei do seu amor pela vida, não duvide:
eu pensei que eu não tinha nada além.
E não tem nada: tem tudo. Rosáceas,
beleza, compaixão nas mãos e na voz.
Como você é formosa e me ensinou
o amor das palavras mais antigas e
se insinua presente em meu coração, 
uma graciosa armação de ipê sonhado,
outonúmido de flamboiãs e canoras aves.  
Você sabe o que tento dizer: esse ipê passando
é um pássaro santo do espírito das rosas cheirosas,
as que você plantou, expostas e dignas da Mãe.

sábado, 7 de março de 2015


Tadashi Endo/foto de divulgação


Fukushima Mon Amour

Um silêncio mortal a decifrar. A frase de Roland Barthes ecoa nos minutos pulsantes da ardente performance de Tadashi Endo em Fukushima Mon Amour. Uma mão que escreve no espaço o eterno retorno, o adeus, a celebração que se executa com o movimento dos dedos. Fukushima, tão distante e tão próxima, longe e dentro, vai se instalando, com o som do mar e suas ondas, trazendo vida e morte, os pássaros voando em direções livres, as crianças rindo em línguas soltas, a grande usina que emite radiações ao ser tragada pelo oceano. Tadashi Endo constrói em pouco espaço de tempo uma história, uma escritura do corpo náufrago. Corpo de criança jogada na voracidade da natureza, corpo de homens assaltados por uma peste marinha e nuclear. Ator celebra o horror, os gritos sufocados no instante da queda. Numa gramática que conjuga com rigor o expressionismo na cena do que imaginamos ser expressionismo com a gestualidade gravitacional do butoh. Iconografias ardentes, imensas paisagens espaciais e temporais. Oscila um grande barco à deriva, carregado de artes físicas e memórias oníricas. Dois movimentos quase distintos, separados por segundos de escuridão e o ator é um cão queimado, exposto à insanidade. Tudo dói. Somos nós os naufragados desse suntuoso desastre. Fukushima é obra dos desterritorializados. O abandono é a clave para uma dança ardente, sufocante, tremendamente silenciosa. Tadashi Endo constrói um anfiteatro de reflexão, de indagações poéticas em que não diz palavra e nem prende o pensamento. Um tempo desconfigurado em que somos dantescamente convidados a ver, a abrir os olhos para os deslimites do corpo até chegar à praia de uma quase imperceptível aceitação, ou alegria de saltar do terror para a compreensão. À sua apaixonada enunciação – o pensamento de uma alma que habita tronco, membros, folhas e flores de uma travessia – cola-se como um céu que não se pode nunca eliminar da cena a música exuberante e tenaz de Daniel Maia, este novo mestre da arquitetura harmônica. O compositor e sua revelação de engenheiro do ar, deixando traços, transes, tormentas, tsunamis de vozes e cordas.(espetáculo no Teatro da Caixa, Brasília, 6,7 e 8 de março. concepção, coreografia e dança de Tadashi Endo, música original de Daniel Maia, luz de Mathias Alber e videoarte de Jürgen Salzman)