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sábado, 7 de março de 2015


Tadashi Endo/foto de divulgação


Fukushima Mon Amour

Um silêncio mortal a decifrar. A frase de Roland Barthes ecoa nos minutos pulsantes da ardente performance de Tadashi Endo em Fukushima Mon Amour. Uma mão que escreve no espaço o eterno retorno, o adeus, a celebração que se executa com o movimento dos dedos. Fukushima, tão distante e tão próxima, longe e dentro, vai se instalando, com o som do mar e suas ondas, trazendo vida e morte, os pássaros voando em direções livres, as crianças rindo em línguas soltas, a grande usina que emite radiações ao ser tragada pelo oceano. Tadashi Endo constrói em pouco espaço de tempo uma história, uma escritura do corpo náufrago. Corpo de criança jogada na voracidade da natureza, corpo de homens assaltados por uma peste marinha e nuclear. Ator celebra o horror, os gritos sufocados no instante da queda. Numa gramática que conjuga com rigor o expressionismo na cena do que imaginamos ser expressionismo com a gestualidade gravitacional do butoh. Iconografias ardentes, imensas paisagens espaciais e temporais. Oscila um grande barco à deriva, carregado de artes físicas e memórias oníricas. Dois movimentos quase distintos, separados por segundos de escuridão e o ator é um cão queimado, exposto à insanidade. Tudo dói. Somos nós os naufragados desse suntuoso desastre. Fukushima é obra dos desterritorializados. O abandono é a clave para uma dança ardente, sufocante, tremendamente silenciosa. Tadashi Endo constrói um anfiteatro de reflexão, de indagações poéticas em que não diz palavra e nem prende o pensamento. Um tempo desconfigurado em que somos dantescamente convidados a ver, a abrir os olhos para os deslimites do corpo até chegar à praia de uma quase imperceptível aceitação, ou alegria de saltar do terror para a compreensão. À sua apaixonada enunciação – o pensamento de uma alma que habita tronco, membros, folhas e flores de uma travessia – cola-se como um céu que não se pode nunca eliminar da cena a música exuberante e tenaz de Daniel Maia, este novo mestre da arquitetura harmônica. O compositor e sua revelação de engenheiro do ar, deixando traços, transes, tormentas, tsunamis de vozes e cordas.(espetáculo no Teatro da Caixa, Brasília, 6,7 e 8 de março. concepção, coreografia e dança de Tadashi Endo, música original de Daniel Maia, luz de Mathias Alber e videoarte de Jürgen Salzman)

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