Páginas

sábado, 20 de setembro de 2014


tela da série Ciclistas, de Iberê Camargo, no site www.iberecamargo.org.br

a bicicleta da pamonha


vai passando a bicicleta da pamonha
pamonha quente, hummm, pamonha
doce com queijo, pamonha de sal com queijo,
apenas dois reais e cinquenta centavos
veja ali aquele senhor de bigodes que vem ali
veja aquela senhora de bobs que vem chegando
a bicicleta da pamonha. aproxime-se, freguês.

o rapaz anda devagar e põe o som instalado no 
guidom, pesado o que vende, pesada acústica, 
mais decibéis que em cultos evangélicos,
ou vendedores de gás, ou comerciantes de frutas.
nem os cães suportam os gritos do anunciante
no alto-falante em volume máximo, sol 
inconformado, falante em raios rápidos.
a tarde se desfaz em pamonhas agora derretidas
que um pamonha leva na bicicleta da empresa.
e onde será feita essa pamonha?
às vezes ouço: olha a bicicleta da maconha
ou, pior, olha a bicicleta da insônia. 
quero fulminar o rapaz da pamonha,
o pamonha que suporta os espasmos sonoros
dessa mesma contínua marcha para
uma solidão melada, macia, como pamonha.
quando chove ele se cala, se abriga, 
mas mal esmorece a chuva, volta com
sua bicicleta, pelas mesmas ruas,
com o reclame infame gravado em estúdio.
que absurdo te incomodares com quem ganha
a vida de sol a sol, de conjunto em conjunto,
navegando num mar de asfalto e calçadas! 
     
é a pamonha do melhor milho
vai passando agora na porta da sua casa
em frente à sua rua, vai passando, aí, meu amigo.
como Zaqueu, como Zagreu (?), quero subir
vai passando a bicicleta da pamonha,
o mais alto que eu puder.
pamonha de sal com queijo
só pra te ver, olhar pra ti,
entra na minha casa, entra na minha vida.

...aquele senhor do bigodão que vem chegando ali
aquela senhora de bobs que vai chegando ali...
o ciclista cruza ruas caninas e secas, silentes,
insiste no vazio e, por uns minutos, tudo se cala.
encontrou alguém que comprará a pamonha do seu  
isopor suado, soprado de poeira e sabor.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário