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segunda-feira, 30 de outubro de 2017


a Praça da Matriz/foto de William Crocker, 1962


acorda, barra


parabéns Barra do Corda
pelo gaiolão no quintal de luz
da centenária cadeia ao largo
lado da Igreja Matriz católica
em que presos são devorados pelo sol
herança suprema do escravagismo
que por alguns dois séculos vitimou
aldeias ribeirinhos quilombos matutos
parabéns Barra do Corda
pelos falsos mártires primícias
que um dia dramatizarei caboclo
mistério total mistério da história
de hóstias divinas e venenosas
pelos terrores antigos de inquisições
civilizâncias e infâmias sob telhados silenciosos

quando miava menino vi sair da cadeia
o corpo de um sujeito que diziam
havia sido assassinado à noite por quem?
o detalhe macabro é que o anônimo sujeito
perfurado por um prego caibral na cabeça
estava empanado da cabeça aos pés
ex-posto em madeira similar a uma antiga porta
sabem o que é um prego caibral enferrujado?
fura vara o cérebro enforca no ferro sem corda
e agora deliro pois não há mais escapatória
nem jaculatórias novenas réquiens e procissões

nas primeiras cinco décadas da aldeia invadida
e que se tornou vila e depois cidade aconteceu
guajajaras e canelas eram enforcados nas cordas
pendentes sobre os dois rios então majestosos
corpos secavam entre os galhos das sumaúmas
bicados por urubus e guaribas ecoando um coral
até que os negros dominados pelos mestiços
pungassem os tambores do livramento das dores

de pavor de escuridão e noite quase eterna do sertão
perdão Barra do Corda por seres o labirinto amargo
e fabulosamente desenhado no coração meu e que
tenho certeza pelos deuses é de tantas gerações
aí sofridas suadas soterradas sob tábuas e poços
a valência é que um dia tudo pode ser reescrito

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