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sábado, 7 de junho de 2014


foto CA/2012


a lindeza


em vias do eixo da cidadescombro
minha roupa blindada causa estranheza
frios ossos, na pele e no deslocamento.
estou num histórico movimento, mas
o momento é de videogame, de filme
que passa dos limites da ficção.
da balaustrada dos palácios reais,
acompanho a plenitude do plano
pendendo para todos os lados,
e da rodoviária começo, lentamente,
um percurso entre os restos do mármore,
as vigas, as falhas e as perfeições do concreto.
ouço voz parecida com a de Leonard Cohen.
percebe-se que nas passagens de nível.
há policiais despitados, num contentamento
de guerra que só em documentários de tv
se vê, numa parede fatiada, leio a oração:
esses vossos olhos misteriosos a nós...
vou arrastando peças modernistas, com
um esforço descomunal, sem roubo ou pavor,
ninguém quer o tesouro com o qual atravesso
as tesouras, pontes, passagens de pedestre.
marcho até à satélite em que moro,
convicto de que essas peças, correntes,
anônimas, mais antigas no cerrado devastado
peças desmontadas do patrimônio de meio
século - os itamaratys vomitaram suas artes;
recolho os painéis, rastros de azulejo
-ser um catador do que não querem mais e
poder carregar nas costas esse patrimônio
sem valor, sem destino, sem deuses em guerra
são uma vitória para os que me esperam -
os familiares que são os pilotos da família
ficarão surpresos com tantas pompas
lindezas que nunca busquei; apenas catador
e jogo sobre o corpo como manta, moeda,
pensando no pai, mãe, avó e irmãos pequenos.
na curva do conjunto da quadra, escurece
claro, não há postes de luz, e penso
o quanto tudo será salvação e inauguração
mas, por um vacilo no caminhar, acordo
sem tesouro, sem família, somente visagem
e respiro fundo, e a imago traz uma luz.  


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