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terça-feira, 8 de junho de 2021

 




A Peste de Pã

 

tirado do cínico sono

que antecede o sol cruel

em manhã sem data certa

rasgada no calendário

cachorros sequer latiam

só o arranhar de rodas

no asfalto estremecido                               

e um murmúrio humano

nunca antes ouvido

fezme ir à janela e

abrisse num gesto duro

e o que vi mudo e cego

 

transitam macas de ferro

levam em plásticos clínicos

azuis rubros roxos pretos

figuram restos mortais

de gentes remotas

milhares de féretros

empurrados nas ruas

por máscaras e múmias

coração veias estampidos

pólvora de todo o povo

o horror vestia trapos

tranqueime em estopa

 

nosso teto tremulava

os livros esfarelavam

as paredes pingavam

um sangue exangue

obrigame a fugir de cena

abrigarme debaixo da pia

imagina tocar a flauta de Pã 

bato os chifres no muro

o bambu me fere a boca 

os caniços sopram lamúrias

a constelação explodeemdor

estertoramos amigos meus

a bordo do navio à deriva

jogar os fantasmas no mar

ondulantesdetudoqueénada


(foto da agência AFP)


Celso Araujo, 06.06.21. BsB       

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